Algumas pessoas leem as postagens desse blog e levam tudo ao pé da letra. É claro que muito do que está escrito aqui é a pura verdade, nada além da verdade. Mas também é verdade que o blog (como já fica bem claro a partir do nome escolhido para ele) é destinado a postagens assim meio que na base do humor, esculacho e até um certo deboche, se me permite o caríssimo leitor. Como bem já diz o título do blog, ele é coisa para quem não tem o que fazer. Entenda-se por isso que não tem o que fazer quem o lê, já que a autora que aqui vos fala tem muitas ocupações, sim senhor.
No entanto não pode o leitor culpar-me por minhas postagens temperadas a deboche e escracho, já que o problema (se é que alguém vê nisso um problema) já vem de família, está no sangue, ou para ser mais moderna, é carga genética. Como minha avó sempre dizia, meu avô apesar da pouca instrução já tinha lá seus momentos de não ter o que fazer e os dedicava quase que integralmente à fina arte de caçar chifre em cabeça de cavalo, inventar moda e criar piadas infames para divertir-se à custa dos incautos.
Confesso aqui humildemente que herdei boa parte dessas características, que como aconteceu com meu avô, não me levaram a lugar nenhum, mas sem dúvida me renderam bons momentos de sumo prazer secreto ao fazer de bobos aqueles chatos de cada dia que toleramos porque não há outro jeito, mas que via de regra nos enchem o saco com suas perguntas indiscretas, frases feitas e filosofias baratas de párachoques de caminhão.
Pois meu avô perdoava tudo, só não engolia pobreza de espírito, o que aliás também não me desce pela goela. Com seu parco estudo, mal sabendo rabiscar seu nome numa garatuja que representava sua assinatura, tinha porém a mente fértil quando se tratava de fazer de bobos aqueles que julgava chatos, pobres de espírito ou puramente inconvenientes (mesmo que desconhecesse essa palavra).
Uma das coisas que minha avó mais gostava de contar sobre meu avô a respeito de seu senso de humor todo particular, daquele que só faz rir uma pessoa – que o inventou – deixando a outra com cara de bobo, eram os nomes de seus cachorros. Tinha sempre um, já que morava em um sítio e deles necessitava para vigiar suas parcas posses. O primeiro da lista, viveu muitos anos e até seus filhos lembram-se dele: Segredo.
Pois então apeava lá um cavaleiro já conhecido de meu avó que estava sentado à sombra, alisando cuidadosamente a palha para fazer o cigarrinho de depois do almoço, e era gentilmente recebido com um aceno de cabeça e um convite para sentar-se. Pedia um copo dágua e então reparava no cachorro, sentado ao lado de meu avô e deitando no visitante um olhar de puro desprezo e suspeita.
– Belo cachorro, Seu Benício. Como é o nome dele?
Meu avô, sossegado, os olhos baixos para que seu interlocutor não lhe adivinhasse o sorriso irônico, internamente saboreava o prazer que a resposta lhe provocava:
– Segredo…
E minutos depois lá ia o visitante, intrigado e pensando por muito tempo naquilo. Meu avô, mal o amigo virava a primeira curva da estrada, caía numa gostosa gargalhada.
Naturalmente que um dia Segredo partiu, para tristeza da família, mas como nada nem ninguém é insubstituível meu avô arranjou outro cachorro, que logo batizou de “Não digo”. Imaginem pois a cara dos visitantes que apeavam à sombra para conversar com meu avô e que por falta de assunto caíam no óbvio e perguntavam o nome de seu cachorro. Esses iam ainda mais intrigados para suas casas e minha avó conta que até brigas acaloradas aconteceram por causa do nome desaforado do cachorro.
Meu avô foi envelhecendo mas não perdeu o bom humor, e quando Não digo morreu tratou logo de substituí-lo. Os anos haviam se passado e muita coisa havia mudado, só não mudaram as pessoas. E meu avô, já de cabeça branca sentava à frente de sua casa num sítio à beira da estrada e eis que chega um visitante. Cumprimenta meu avô, senta-se e começa a conversar. Num dado momento repara no cãozinho ao lado dele e pergunta, para puxar assunto:
– Belo cachorro, seu Benicio. Como é o nome dele?
E meu avô, de parco estudo mas muito senso de humor, abrindo um sorriso misto de prazer e ironia, na sua fala mansa de velho do interior, alisando sua palha de fazer seu cigarrinho de depois do almoço:
– “Prigunta a ele”.